Ephemeris Vita, ano 1, vol 13
Domingo, 07 de maio de 2006.
Um brasileiro, mineiro, belo-horizontino, de vinte e seis anos, quase vinte e sete, acorda com a sensação que sua cabeça pesa exatos 40 quilos, metade de seu peso corporal. Levanta-se com dificuldade e, na dúvida sobre um copo bem gelado de coca-cola ou um banho frio para curar os efeitos causados pelo excesso de álcool consumido no dia anterior, decide-se pela coca-cola. Vai até a cozinha carregando sua pesada cabeça enquanto tenta esconder dos olhos a imensa claridade primaveral que entra pelas extensas janelas daquele recinto e penetra por sua pupila, alcançando seu cérebro tal qual uma afiada agulha, provocando-lhe um sentimento de desconforto muito forte ou, porque não dizer, causando-lhe mesmo dor. O sujeito abre a porta da geladeira e obtém a garrafa contendo o saboroso líquido de cor preta que para alguns representa um símbolo do capitalismo norte-americano e despeja-o numa caneca razoavelmente suja do dia anterior. Para ele o líquido funcionará apenas como algum tipo de analgésico. Bebe-o então e uma sensação de frescor invade-lhe por completo, aliviando em cerca de cinco quilos o peso da extremidade maior e superior de seu corpo e as agulhadas insistentes que a luz -- viajando rapidamente desde o astro central do sistema solar até seu cérebro -- vinha lhe proporcionando. Um pouco refeito e quase acordado, o mesmo indivíduo decide-se então pelo banho e surpreende-se ao encontrar no banheiro resquícios malcheirosos de alimentos semi digeridos que houvera posto para fora na noite anterior. Dentre tais resquícios, consegue distinguir pedaços de uma carne que comprara no supermercado e cujo nome não pode distinguir ao certo pelo fato de estar escrito com muitas consoantes e em um alfabeto que lhe era quase completamente desconhecido. Com a cabeça pesando agora trinta e quatro quilos e meio, decide-se por limpar o recinto, trabalho que faz com dificuldade, nojo e preguiça. Posteriormente, então, é capaz de entrar debaixo do chuveiro e deliciar-se com uma ducha que diminui o peso de sua cabeça para cerca de trinta quilos. Peso este que diminui ainda mais depois de um sanduíche e um copo de leite com um pouco de café. As agulhadas luminosas, entretanto, continuavam a feri-lo sem dó nem piedade. Sem muito que fazer e sem forças para fazer qualquer coisa que lhe viesse à mente, deita-se novamente à cama e coloca as cobertas por cima de seus olhos. Fica assim por vinte minutos e adormece por mais sessenta, no que acorda novamente com a cabeça pesando então vinte e seis quilos e duzentos gramas, aproximadamente. Então decide que deverá sair para procurar algo para almoçar e, neste meio tempo, amaldiçoa-se por ser tão destraído e ter perdido os últimos dois óculos escuros que comprara ainda em terras canarinhas. Sai de casa e monta na bicicleta emprestada de um amigo alemão muito prestativo, assim vai ao supermercado e não encontra exatamente o que gostaria de comer. Não consegue perguntar ao funcionário o que deseja, pois o mesmo não fala a língua considerada mundial, o inglês, e nem mesmo outras línguas secundárias do mundo, como o espanhol ou o português. Compra então alguma comida semi-pronta, a saber, uma lasanha à bolonhesa, e volta para casa no intuito de colocá-la no forno e deliciar-se. Não se disse ainda que mora em uma casa compartilhada e, azar do destino, há chinesas de pouco atrativo físico que se expressam através de monossílabos estranhos tomando conta da cozinha. Decide-se por nem tentar comunicação com elas e então volta para seu quarto, para debaixo das cobertas. Acorda pouco tempo depois, cabeça à vinte quilos, e finalmente consegue preparar sua lasanha e comê-la. Volta para a cama e coloca um DVD de um filme que já assistiu em seu computador portátil, objeto fora seu sonho de consumo por anos e que agora é uma realidade já desatualizada. Assiste o filme deixando o quarto o mais escuro possível e sua cabeça vai diminuindo de peso ao passo de um quilo a cada trinta minutos, mais ou menos. Acorda com o telefone tocando e atende em português, apesar de perceber ser alguém ligando de dentro da Alemanha, de fato um “Alô” e um “Hallo” não são exatamente palavras bastante dissimilares. Um amigo alemão cumprimenta-o com alegria e convida-o para um novo churrasco, mais cerveja, mais carne, mais garotas alemãs não tão grandes quanto se poderia imaginar. Com a cabeça ainda pesando aproximadamente quatorze quilos, ele agradece o convite, mas se diz incapaz de beber qualquer coisa naquele dia que tivesse mesmo quantidades mínimas de álcool e o alemão, acostumado com a ingestão de quantidades altas do etílico líquido de fórmula química CH3CH2OH, provavelmente pensa-o algum tipo de afrescalhado, algo que ele não pode evitar por não ter controle sob a cabeça de outros. Desliga o telefone satisfeito por ter conseguido dizer não ao amigo. Faz mais algumas coisas estúpidas neste dia, como procurar um lugar para lavar a roupa, fumar um cigarro e dar uma volta no quarteirão antes de decidir recolher-se de vez. Estando em um local relativamente afastado do Equador, e sendo tempo de primavera, lamenta-se pelo dia ainda ter luz visível às oito horas da noite e pela mesma ainda penetrar dolorosamente em seu cérebro. Antes de dormir, ao menos pensa que esta temporada que está a passar na Alemanha será mais interessante e agradável do que a que passou na Inglaterra e durante a qual não teve sequer resquício algum da bebedeira do dia anterior, no dia seguinte. Está feliz por ter sido expulso daquele país onde as pessoas são estranhas e pouco sociáveis e, em mais alguns dias, pretende aceitar outros convites churrascais que lhe forem feitos. Entretanto tentará não se exceder demais na bebida nem acompanhar os nativos da Baviera no empreendimento cervejístico.
FP.
2 Comments:
Acho que é o melhor relato ressaquista da atualidade. Doeu na gente tb..
Abraços aqui de Morada Nova..
rafa
Muito bom o peso da cabeça hahaha!
Falou,
Rodrigo.
Postar um comentário
<< Home