Ephemeris Vita, ano 1, vol 12
Manaus. Às dezesseis horas e trinta minutos de uma quarta-feira sem sol, um casal foi visto pela última vez na cidade em que se formou. O clima era ameno, e os arranha-céus indiferentes desconheciam as intenções que se produziam na cabeça do rapaz - assim como ele próprio também as desconhecia. Agindo por instinto, estabeleceu um ultimato, na forma de um tempo para pensar, que se prolongaria indefinidamente, entre noites mal dormidas, remorsos, orgulho, melancolia, lágrimas e lembranças; até que se esquecesse de vez, ou assim acreditasse. Em frente à praça cercada pelos edifícios alheios, os passantes puderam perceber uma conversa entrecortada, difícil, que se dava atrás da banca de jornal, do outro lado da qual uma notícia comum se produzia na forma de um trombadinha em ação, ou de alguma figura pública que caminhava distraída na direção da câmara de vereadores, onde se votaria uma lei qualquer. Mas aqui e agora, na veia daquela relação, o sangue fluía e escorria, escorria até um bueiro sujo, escuro, esquecido. Nunca mais eu, repórter, poderei flagrar suas vidas ordinárias comemorando as dúvidas da existência, ou numa segunda-feira chuvosa um corpo satisfeito, porém cansado, que se levantaria cedo para trabalhar, depois de um beijo de despedida, e uns cinco minutos a mais. Não aqui, não com eles, não mais. Se o tempo os esquecerá, não está ao alcance deste que escreve, mas que até hoje, quando vejo ou lembro daquela praça, daquela calçada, entre as árvores que resistiram ao avanço da civilização, apenas me vem à cabeça a imagem do que um dia foi, e que, como tudo o mais, um dia deixou de ser. RLD.
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